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#EducaçãoEmDebate

Escola Pública democrática: (re)construindo conceitos em tempos de pandemia

Por Claudio Oliveira Fernandes | Raimundo Nonato da Silva Filho
Corredor da escola

A constituição da escola brasileira vem, ao longo dos anos, consolidando-se a partir de duas vertentes importantes para a compreensão dos processos de universalização do acesso e permanência das crianças e jovens em idade escolar: são as vertentes da inclusão e da exclusão. Na perspectiva da inclusão, além de um enorme contingente de estudante para quem o acesso é bastante dificultado por questões associadas à geografia das desigualdades sociais, estão também os que apresentam alguma deficiência de ordem física, intelectual, entre outras. “A partir do processo de democratização da escola evidencia-se o paradoxo inclusão/exclusão, quando os sistemas de ensino universalizam o acesso, mas continuam excluindo indivíduos e grupos considerados fora dos padrões homogeneizadores da escola” (BRASIL/MEC, 2008, p1). A escola, muitas vezes, não considera como legítimo, o repertório cultural trazido pelos alunos - e que muitas vezes não condiz com a necessidade de aprendizagem daqueles estudantes que, sistematicamente, buscam o acesso ao sistema formal de ensino público no Brasil. Nesta lógica, o que se perpetua é um conjunto de meninos e meninas que não aprendem e são considerados desinteressados, e assim o próprio complexo de ensino os exclui da escola. Para nós, trata-se apenas de uma parte do problema, pois neste grupo estão os que só têm dificuldades de aprendizagem, devido a alguma defasagem, e os que não são compreendidos em suas especificidades; apontá-los, apenas, como desinteressados pode induzir professoras, professores e gestores a um erro de percurso, quando da escolha dos procedimentos pedagógicos. Além de apontar para uma formação encharcada de equívoco acerca da Cultura Democrática e Inclusiva.

Sabe-se que a escola pública se encontra em processo de transformação, no sentido de acolher os mais diversos públicos, no contexto dos direitos humanos, nas suas especificidades das relações étnico-raciais, da diversidade cultural, da questão de gênero e sexualidade e da inclusão em várias perspectivas. Entende-se que, para atender estas demandas, a escola tem de se constituir como democrática, e que sua missão é, sobretudo, criar condições para que se estabeleça um ambiente propício ao processo de ensino aprendizagem no qual se identifiquem e respeitem as diferenças. 

  

É notório que em tempos de dificuldades, seja no âmbito cultural, econômico, político e ou provocado pela natureza, as organizações sociais humanas tendem a reavaliar suas relações, seus comportamentos e, assim, prospectar novos rumos e acordos. Quando fazemos o recorte para o contexto brasileiro, percebe-se que ao experenciar um modelo político repressor que se estendeu por duas décadas (1964-1985), vários setores da sociedade posicionam-se como atores sociais em busca de (re)discutir o pacto social que rege e organiza as relações no espaço territorial brasileiro. Partindo dessa prerrogativa, o curso Escola pública democrática: (re)construindo conceitos, desde 2016, tem se organizado dentro do Encontro USP Escola, na perspectiva de debater e trazer subsídios que permitam a elaboração e construção de um novo olhar para a heterogeneidade presente nas representações do espaço escolar.

           

Para tanto, o curso busca fundamentos não só no âmbito teórico, mas, sobretudo na práxis do cotidiano vivido por gestores, coordenadores, professores, APM, Conselho de escola e as representações estudantis, como Grêmio estudantil.  No debate desta temática Azanha (2004, p. 342) destaca que o processo de democratização das instituições de ensino pautada no reconhecimento do educando como sujeito de liberdade e autonomia, no espaço escolar, “tem sido uma proposta sedutora para os educadores”. Entretanto, a forma com esse diálogo se organiza no espaço físico escolar, tendo em vista suas interações cotidianas enfrenta críticas, que se estende da interpretação no aspecto ora voltado para a ótica e percepção progressista, ou em dados momentos, compreendida como forma “retrógrada da educação”.  

           

Entendemos que é necessário avançar nos debates que envolve o construir/descontruir/(re)construir os conceitos sobre sociedade democrática, ou nesse caso escola democrática. Historicamente há uma tendência de se entender ou definir a democracia como espaço de representação em que prevalece os desejos individuais, desde que esteja contido no chamado “vontade da maioria”. No entanto para (MORIN 2003) “a democracia não pode ser confundida com a ditadura da maioria, há de se considerar, inclusive, as ideias heréticas.” Cabe aqui retornarmos ao diálogo com Azanha (2004, p. 342) ao observar que: “caberia à escola internamente democratizada o papel de forjadora de tal sociedade. Mas, não parece haver fundamento histórico para esse modo de ver, para essa suposta relação de precedência entre democratização do ensino e democracia num sentido político-social”. Ao destacar o termo “escola internamente democratizada”, subentende-se falar de uma escola delimitada pelo espaço físico e geográfico. Mas, e quando esse espaço deixa de ser físico e se desenha em linhas invisíveis ou imaginarias, porém, permeada de subjetividade?

           

Em tempos de dificuldades, nesse caso, que emergiu a partir de uma pandemia, cabe aos sistemas educacionais, escolas, educadores e educadoras, professores e professoras, estudantes, comunidade escolar e sociedade encontrar novos mecanismos e encontrar novos caminhos para construção/desconstrução/(re)construção de uma Escola Pública Democrática, não mais limitada as barreiras físicas. Escola essa que estendeu seus tentáculos, invadiu a intimidade dos diversos atores sociais, que dela fazem parte, ao mesmo tempo em que representa, institucionalmente, um Estado, historicamente, ausente e autoritário em outros espaços da vida social/econômica/cultural, mas que agora, reivindica um lugar na sala de estar.  Para entender a democracia nesse aspecto, especialmente no contexto escolar, o debate dos pressupostos de cidadania é imprescindível para fomentar a discussão e reflexão da Escola Pública Democrática, em tempos de pandemia.

 

Como resultado das turbulências políticas, sociais e econômicas já mencionadas, o sentido de cidadania no Brasil adquire novos significados, conceitos e, por vezes é personificada como representação do povo, conforme o sentido grego da palavra democracia.  Nesse sentido, o historiador e cientista social José Murilo de Carvalho ressalta que: “não se diz mais ‘o povo quer isto ou aquilo’, diz-se ‘a cidadania quer’. Cidadania virou gente. No auge do entusiasmo cívico, chamamos a Constituição de 1988 de Constituição Cidadã” (CARVALHO, 2013, p.7).  Em continuidade a essa reflexão, o autor, propõe ao leitor analisar a cidadania a partir do seu tripé de sustentação que pode ser compreendido no âmbito dos Direitos civis, dos Direitos políticos e dos Direitos sociais, expressos na “Constituição Cidadã de 1988”.

           

Podemos nos perguntar: qual é a relação disso com a educação pública em tempos de pandemia? Há muitos aspectos e caminhos que nos ajudaria a responder essa questão. Entretanto, gostaríamos de chamar a atenção para dois aspectos, são eles: A Carta Magna (Constituição) de um País ou Estado, simboliza o acordo social entre o poder que representa o Estado, mediante as reponsabilidades que tem com seus cidadãos e suas cidadãs. Outro fator que cabe ressaltar é o não acesso por parte do cidadão e da cidadã, aponta para uma falha do Estado em não cumprir com parte do seu acordo, que é garantir esse tripé de sustentação da cidadania.

Desta forma é importante que a escola em consonância com as famílias crie espaços, reais, de diálogo na busca por uma aprendizagem significativa por meio de um processo recíproco, como nos aponta (MEIRIEU, 2005), se estivéssemos no ambiente escolar. No entanto os tempos são outros e aquele espaço da sala de aula passa a ganhar contornos imperceptíveis, já que o espaço outrora restrito a professores(as) e alunos(as) agora envolve outros sujeitos no universo on-line que, no momento, não temos dados suficientes para dizer quem participa, efetivamente, da aprendizagem dos nossos jovens, em tempos de COVID-19.

 

Claudio Oliveira Fernandes é doutorando em Educação pela (UFSCar); Prof. Me. em Adolescente em Conflito com a Lei; Pós-Graduado em Gestão da Educação Pública pela (UNIFESP); graduado em Licenciatura em História e sócio da APEP.

 

Prof. Me. Raimundo Nonato da Silva Filho, especialista em gestão de políticas educacionais e sócio fundador da APEP.

Referência:

AZANHA, José Mario Pires - Democratização do ensino: vicissitudes da ideia no ensino paulista. In Educação e Pesquisa. São Paulo, v.30, nº2, p. 335-344, maio/ago., 2004.

CARVALHO, José Murilo de. Cidadania no Brasil: um longo caminho. 17ª ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2013.

BRASIL. Ministério da Educação. Políticas Nacionais de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva. 2008. Disponível em: <http://goo.gl/L345S>. Acesso em: 02 de ago. 2014.

MEIRIEU, Philippe. O cotidiano da escola e da sala de aula: o fazer e o compreender/ tradução Fátima Murad – Porto Alegre: Artmed, 2005. (Esta obra descreve de forma ímpar as relações de poder estabelecidas dentro da escola, propõe questões, estratégias, caminhos e possibilidades para a implantação do ensino por reciprocidade) Páginas 21 a 36 e 67 a 70.

MORIN, Edgar. Os sete saberes necessários à educação do futuro/tradução de Catarina Eleonora F. da Silva e Jeanne Sawaya; revisão técnica de Edgar de Assis Carvalho. - 7. ed. – São Paulo: Cortez; Brasília, DF: UNESCO, 2003.

**Este espaço é reservado para a publicação mensal de artigos de opinião que apresentem experiências e reflexões acerca da educação. O conteúdo do artigo é de inteira responsabilidade do articulista e não reflete, necessariamente, a opinião da APEP.

 

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