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#EducaçãoEmDebate

ERER: caminhos e possibilidades para uma educação antirracista

Por Raimundo Nonato da Silva Filho
Professor e estudante Jovem

Recentemente realizei uma pesquisa no âmbito do Departamento Acadêmico Linguagem e Comunicação, para conclusão do curso de especialização em Ensino de Língua Portuguesa e Literatura, na UTFPR – Universidade Tecnológica Federal do Paraná. O estudo versou sobre a temática da história e da cultura afro-brasileira e Africana. Assunto esse que tem despertado o interesse de muitos estudiosos ao longo da composição do portfólio que acumula os meios pelos quais a sociedade vem se desenvolvendo, especialmente, no período pós-abolição. Sabemos que o Congresso Nacional, instigado pelo movimento negro brasileiro, se deparou com a necessidade de analisar e reconhecer a pluralidade sociocultural de nosso país, aprovando a Lei 10.639 de 09 de janeiro de 2003, bem como a Lei 11.645 de 20 de janeiro de 2008, ambas alterando a Lei 9.394 de 20 de dezembro de 1996, que estabeleceu as diretrizes e bases da educação nacional.

 

Com base nos preceitos da Lei elaborei um estudo de caso sobre as práticas de ensino de educadores de uma escola pública de Ensino Fundamental e Médio do Estado de São Paulo, usando o recorte temporal entre 2003 e 2013, a fim de identificar e analisar as estratégias utilizadas por estes, para a implementação do que diz a referida Lei. Considerando os dez anos da sua promulgação, busquei respostas, basicamente, para duas questões: a promulgação da Lei em si é sinônimo de direito garantido para o ensino da História e da cultura afro-brasileira e Africana? Que estratégias os atores, legalmente, constituídos usam para o desenvolvimento do currículo e para cumprir o que determina a Lei?

 

A Lei 10.639/03 alterou a Lei número 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, que passou, então, a vigorar acrescida dos seguintes artigos. 26-A, que torna obrigatório o ensino sobre história e cultura afro-brasileira, a Lei 11.645/08, alterou a redação do artigo 26-A, acrescentando o ensino da cultura indígena, em estabelecimentos públicos e particulares; o parágrafo primeiro menciona os conteúdos que devem ser abordados no campo econômico, cultural, político e social; o parágrafo segundo, literalmente diz: “Os conteúdos referentes à História e Cultura Afro-Brasileira serão ministrados no âmbito de todo o currículo escolar, em especial nas áreas de Educação Artística de Literatura e História Brasileira”.

 

A escola, foco do nosso estudo, atende ao Ensino Fundamental II, no período manhã e tarde e o Ensino Médio pela manhã e noite. Os alunos estão assim distribuídos: 251 no Ensino Fundamental e 302 no Ensino Médio. Contam com 43 professores e suas respectivas formações, com destaque para Linguagens e Códigos, contando com 15 profissionais, seguida de Ciências Humanas, contabilizando 11 professores, em terceiro lugar ciências da Natureza, com 10 professores. Matemática, conta com 7 professores. Os dados apontam que 33,3%, encontra-se com idade entre 31 e 40 anos, 44,4%, têm entre 41 e 50 e 22,2%, está na faixa dos 61 aos 70, anos de idade. Quando perguntado há quanto tempo lecionam na rede pública, 55,6%, dos entrevistados indicaram que lecionam entre 15 e 20 anos, contra 44,4%, assim distribuídos: 11,1%, de dez a quinze anos, 11,1% de oito a dez anos, 11,1% de quatro a seis anos e 11,1% três a cinco anos. O destaque fica por conta de um número, significativo, de professores com mais de quinze anos de experiência. O que revela que estes não tiveram contato, na universidade, com questões relacionadas ao estudo da história da África, já que esta exigência só entra em vigor a partir de 2003.

 

Este mesmo grupo foi submetido a questões acerca da formação na graduação, questionados se seus professores abordaram a temática da cultura afro-brasileira e em que circunstância isso ocorreu. Considerando as informações sobre faixa etária e tempo que lecionam na rede pública, é possível inferir que poucos tiveram acesso, sistemático, aos conteúdos sobre a história da África. Aqueles que tiveram consideram insuficientes e/ou superficial, já que não compunham o currículo da faculdade, sendo inserido apenas por meio de palestras. Conforme nos revela o depoimento de um dos entrevistados: “Sim eu tive palestras e aulas específicas da cultura e história da África, embora tenho que dizer que quando me formei tudo era novo estavam implementando na grade e achei que algumas abordagens foram superficiais.” Ainda sobre esta questão outro entrevistado relatou: “Sim, mas muito pouco. Foi nas aulas de História Moderna, na minha grade não havia nada sobre cultura afro-indígena.”. Frente a estas informações podemos compreender que os professores com mais de 15 anos de formação não tiveram formação específica sobre a temática do nosso estudo, ao menos enquanto graduandos.

 

Indagados se conhecem as Leis 10.639/03 e 11.645/08 que alteram a Lei 9394/96, tornando obrigatório o ensino da temática “História e Cultura Afro-brasileira e Indígena”, no ensino básico, 88,9%, dos entrevistados responderam que sim, contra 11,1%, que disseram não. O que nos chama a atenção é o fato de que mesmo sabendo da existência da Lei e do seu conteúdo, ao serem perguntados como abordam a cultura negra nas suas aulas, do ponto de vista prático. Houve respostas diretas, do tipo “nunca abordei”, outras mencionando, “raramente” – raramente revela a ausência de um projeto pedagógico sustentável, que crie condições reais de implementação da Lei por meio de uma ação coletiva -, e outras citando: “durante o ano desenvolvo projetos com os alunos, embora temos um conceito de que este tema é trabalhado apenas em meses específicos e com projetos já batidos [...] este é um tema que deve ser trabalhado o ano todo quebrando o paradigma de ser trabalhado em datas e meses específicos.” Observe que o(a) professor(a) entrevistado(a) chama a atenção para a prática de improviso durante datas específicas do ano. Outro depoente relata: “eu sempre falo abertamente com meus alunos sobre a Cultura negra e o quanto ela foi e é valiosa para nossa vida e do quanto temos dívidas para com os negros que nunca conseguiremos pagar pelo tanto que fizeram e não são reconhecidos.” Esta pesquisa buscou compreender, também, as razões que fazem com que o trabalho com a temática negra seja, aparentemente, dificultado. Há quem entenda que falta material, especialmente, na área de exatas, outros entendem que seja porque “falta conhecimento dos alunos”, há quem mencione que não tem dificuldade nenhuma, mas também tem apontamentos pontuais, como: “As diretrizes e determinações impostas pelo sistema educacional que vem de cima e muitas vezes impostas e não debatidas com os professores”. Relatam, também, que: “muitos profissionais ainda não estão preparados para discutir esse tipo de assunto, pois infelizmente ainda é um tabu por isso essas discussões em sala de aula precisam ser realizada de maneira harmoniosa respeitando e valorizando todas as diferenças e só um trabalho pedagógico multicultural poderia ajudar”. Como podem observar os desafios acerca do trabalho com as relações étnico-raciais são multifacetados. Percorrem as dimensões tanto da formação inicial, quanto da continuada, além dos desafios encontrados no ambiente de trabalho.

Há muita coisa a fazer acerca da implementação da Lei, que nasceu a partir de variadas ações feitas pelo movimento negro brasileiro, mas há, também, avanços importantes acontecendo no interior das escolas. O grupo pesquisado foi submetido ao seguinte questionamento: “qual(is) as contribuições que seu componente curricular pode dar para o ensino de História e Cultura Afro-Brasileira, na escola?” Ao passo que responderam: “eu sou da área de história então, basicamente, quase tudo passa pela cultura afro e pela miscigenação e pluralidade cultural ” Nesta, importante, declaração vale destacar o prefixo afro, que do ponto de vista sócio político pode representar negros e brancos, num contexto distanciado da causa negra, conforme nos alerta (CUTI,2010). Para outro entrevistado sua disciplina pode dar muitas contribuições, tais como: “buscar momentos da história para nos levar a entender o porquê das lutas das diferenças dos conflitos das desigualdades de classe de gênero de poder de conhecimento etc...”[...], Ainda segundo este mesmo entrevistado: [...] de várias formas isso pode ocorrer, por exemplo, nossa cidadania aconteceu tardiamente devido ao trabalho escravo, pois o Brasil foi um dos últimos países a por fim no trabalho escravo impedindo os negros de estudarem e de ter sua terra e seu meio de sobrevivência. Enfim há várias formas de contribuir para esses ensinos em questões.” Como podemos observar neste trecho, ao realizar esta discussão no ambiente de sala de aula o docente está contribuindo para a compreensão e a justificativa das ações afirmativas como política pública de combate às desigualdades entre negros e não negros. Continuando o percurso das respostas, há professor que entende que: “mostrar um outro olhar descolonização, tarefa árdua e longa...”, seja a contribuição possível a ser dada por sua disciplina. Outro destaca que sua disciplina pode dar toda contribuição, [...] “pois expressa a sensibilidade de uma cultura que nos formou.” Ainda no contexto da questão sobre as contribuições que as disciplinas podem dar para a implementação da Lei em estudo, recebemos respostas, como: “Colocando exercícios com uma abordagem sobre a situação dos negros”. Desta forma, pode-se verificar pelos depoimentos que vários componentes têm trabalhado, de forma, individual a temática da lei. A que se atribui estes avanços? Acreditamos, hipoteticamente, que pode ser fruto das ações desenvolvidas pela SEDUC, por meio dos seus núcleos pedagógicos que dão conta de abordar aspectos das relações étnico-raciais no ambiente escolar, daí a importância de fortalecer a ERER como política pública de implementação ás leis em questão. Conforme Parecer Nº CNE/CP 003/2004 e Resolução Nº 1, de 17 de Junho de 2004, do Conselho Nacional de Educação.

 

Faz-se necessário explicar que esta pesquisa – apresentada parcialmente aqui - realizou um estudo de caso que, grosso modo, significa debruçar-se sobre uma realidade específica para observar sua reação quando estimulada a refletir sobre o cotidiano e a prática escolar, no nosso caso foi estudar e compreender a relação entre a teoria e a prática no ensino da história e da cultura negra na escola, frente ao que orienta a Lei 10.639/03. Foram duas as questões geradoras deste estudo: a) a promulgação da Lei em si é sinônimo de direito garantido para o ensino da História e da Cultura afro-brasileira? Consideramos que garante, parcialmente, pois a Lei precisa ser estimulada por outras e, sobretudo, por política de Estado para a educação. A ERER, pode assumir papel protagonista na efetivação da demanda, ao evidenciar a importância do povo negro para o desenvolvimento econômico e cultural do país; b) que estratégias os atores, legalmente, constituídos utilizam para o desenvolvimento do currículo visando ao cumprimento da Lei? Nesta questão identificamos que as pessoas imbuídas para essa missão encontram alguns obstáculos, especialmente, no debate que envolve colegas de trabalho, alunos, país e a própria Secretaria de Educação. É importante destacar que o professor é apenas um elo desta corrente, tem outros que o antecedem – no caso os gestores – e outros posteriores, representados pelos alunos e pais de alunos, ou seja, ele tem uma participação significativa, mas não é o único. Os caminhos e possibilidades para implementação de uma educação antirracista passa pela construção, efetiva, de espaços de diálogos.

 

Raimundo Nonato da Silva Filho é professor de Língua Portuguesa e Literatura - SEE - SP. Membro fundador da Associação de professores de escolas públicas - APEP https://associacao-apep.wixsite.com/apep

Currículo Lattes:

http://buscatextual.cnpq.br/buscatextual/visualizacv.do?id=K4295848D8 Referências

 

Referências:

BRASIL. Lei 10.639/2003, de 9 de janeiro de 2003. Altera a Lei nº 9. 394, de 20 de dezembro de 1996. Diário Oficial da União, Poder Executivo, Brasília.

 

BRASIL. Lei 11.645/08 de 10 de Março de 2008. Diário Oficial da União, Poder Executivo, Brasília.

 

BRASIL. Leis de Diretrizes e Bases. Lei nº 9.394. 1996. Disponível em: http://portal.mec.gov.br/seesp/arquivos/pdf/lei9394_ldbn1.pdf Acesso em 19 de agosto de 2020.

 

BRASIL. RESOLUÇÃO CNE/CP Nº 1, DE 17 DE JUNHO DE 2004 Institui Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana.

 

CUTI. Literatura negro-brasileira. São Paulo: Selo Negro Edições, 2010.

**Este espaço é reservado para a publicação mensal de artigos de opinião que apresentem experiências e reflexões acerca da educação. O conteúdo do artigo é de inteira responsabilidade do articulista e não reflete, necessariamente, a opinião da APEP.

 

Caso tenha interesse em publicar neste espaço, encaminhe seu texto para: apepeducacaoemdebate@gmail.com

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