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#EducaçãoEmDebate

Ensino de ciências a distância ou a distância do ensino de ciências

Por Katia Varela
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No momento atual, pandêmico, como podemos ensinar química, física ou biologia? Esta é a pergunta que fazemos, desde quando começou o ensino de forma remota. Mas, para iniciarmos a conversa, vamos refletir sobre o ensino de ciências na educação básica e na escola pública.

 

De forma geral, o ensino de ciências na educação básica tem sido desenvolvido de forma predominantemente positivista e eurocêntrica, ou seja, pratica-se um ensino de ciências voltado para a aplicação de leis, a memorização de fórmulas, baseado em “feitos milagrosos” de grandes gênios, de verdades absolutas e inquestionáveis. Um ensino de ciências que pode fascinar o educador, mas afasta o estudante do estudo de ciências.  É proposta a existência de uma única ciência, um único saber dominante, com a classificação e a descrição matemática de fenômenos científicos isolados, apresentados, muitas vezes, através da resolução de exercícios e da memorização de tabelas e fórmulas. Desta forma, as aulas de ciências caminham somente no plano intelectual, sem conexões com o mundo, fazendo com que os estudantes não percebam que os fenômenos da ciência estão presentes em muitas ações do cotidiano, e que as interpretações da ciência estão por trás dos equipamentos que utilizamos diariamente.

 

É um fato que no ensino à distância, de forma on-line, fica muito mais evidente o distanciamento entre as ciências e o cotidiano dos estudantes, bem como a sua falta de contextualização sócio-histórica.

 

Há várias questões que os educadores poderiam abordar com os estudantes, como por exemplo: quem eram os artesões que trabalhavam para os cientistas? Quem pagava as pesquisas?  Como era a sociedade na época do desenvolvimento de determinada teoria? Quais os impactos das pesquisas na sociedade? Tais perguntas não são feitas no ensino presencial e, muito menos, no ensino à distância.

 

O afastamento, no ensino de ciências, da história desta ciência, de sua construção coletiva e do contexto socioeconômico em que se desenvolveu tem origem em materiais que são fornecidos, muitas vezes impostos, aos educadores de ciências, pelo sistema educacional, também em sua formação inicial. Essas circunstâncias levam a uma perspectiva positivista dos educadores, no ensino de ciências, devendo-se notar a ausência frequente de liberdade de escolha. Neste sentido, não é uma tarefa fácil desenvolver na educação básica um ensino de ciências que converse com o cotidiano dos estudantes e que, ao mesmo tempo, seja contextualizado.

 

No entanto, se consideramos uma educação básica para a formação cidadã de nossos estudantes, como prescreve nossa constituição, precisamos incluir práticas educacionais que integrem saberes relacionados com ações do seu cotidiano, e que, além de incluírem a contextualização social, política, econômica e cultural, estejam em sintonia com o mundo do jovem. O ensino de ciências pode contribuir para uma educação democrática e crítica, na qual os estudantes tenham oportunidade de desenvolver a consciência para suas tomadas de decisões, de forma crítica e autônoma, sendo livres para expor as suas opiniões de forma aprofundada e coerente.

 

A proposta deste texto é propor uma reflexão sobre este ensino, independente da forma, presencial ou remota. Não pretendemos excluir o conhecimento científico do ensino de ciências, com suas leis e fórmulas. A intenção é pensar possibilidades para um ensino de ciências que também apresente a ciência como construção humana, que perceba sua presença no dia a dia, no trabalho e na tecnologia, e que integre todos esses saberes com os temas abordados tradicionalmente pelas ciências.

 

Além de apresentar as ciências como construção humana e oferecer o contexto sócio-histórico, outra possibilidade, com o intuito de aproximar a ciência do contexto do estudante, seria relacionar os conhecimentos envolvidos na prática das profissões dos familiares dos estudantes com os conhecimentos científicos. O padeiro, que sabe usar a dosagem do fermento, para o pão crescer, dispõe de conhecimentos práticos relacionados com a química, a física e a biologia, conhecimentos estes muitas vezes esquecidos e poucos valorizados pelos educadores, e minimizada a sua importância, como pertencente ao senso comum. Em uma aula de física, podemos discutir o conceito de gravidade através do uso de um instrumento utilizado pelos pedreiros, chamado de nível. Outro exemplo, relacionado com o dia a dia, este para o ensino de química, é o do uso dos produtos de limpeza nos serviços de casa, pois podemos discutir concentrações, diluições, formulações químicas e os impactos ambientais. O conhecimento familiar, ou da comunidade escolar, sobre chás e ervas pode ser discutido no contexto das aulas de biologia.

 

A intenção de trabalhar as profissões dos familiares na prática do ensino de ciências é diminuir a ruptura existente entre a ciência e a sociedade, aproximando e valorizando saberes que se apresentam construídos de forma natural e humana. Neste sentido, o senso comum preciso ser valorizado e contextualizado em materiais didáticos, ou nas propostas curriculares. Propomos humanizar as ciências, de forma que a ciência, no âmbito escolar, seja inclusiva, com conhecimentos integrados e não separados. Temos possibilidades, mesmo de forma remota, de ter um ensino de ciências motivador para os educadores e educandos, que possa ampliar seus conhecimentos científicos e que permita compreender o conteúdo científico num contexto válido. Valorizando todos os saberes, relacionando e integrando os saberes do senso comum aos conhecimentos científicos, dando voz e motivando os estudantes e seus familiares a participarem das atividades das aulas de ciências, sejam elas remotas ou presenciais. Entrevistando parentes e vizinhos, gravando vídeos de suas atividades e experimentos, fazendo uso das mídias digitais em seus próprios espaços de convivência.

Proporcionando o fim do distanciamento entre as ciências e os estudantes e a transcendência dos conhecimentos básicos, ou seja, propiciando que os estudantes pensem e aprendam para além dos conteúdos científicos, que aprendam para a vida.

PROFESSORA- KATIA VARELA. Professora de Química e Física da rede estadual de São Paulo a mais de 25 anos e atuante em sala de aula. Atualmente presidente da APEP.

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